Novas diretrizes nacionais reforçam diagnóstico clínico e cuidado integrado no autismo

Por: Redação | Foto: Walterson Rosa/MS
O Brasil avança em duas frentes importantes no cuidado às pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Enquanto o Ministério da Saúde lança uma Nova Linha de Cuidado no SUS voltada à identificação precoce e à organização da rede de atendimento, a Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) atualiza suas recomendações técnicas com base nas mais recentes evidências científicas internacionais.
Estima-se que 1% da população brasileira viva com autismo, segundo o IBGE — o que representa cerca de 2 milhões de pessoas. O levantamento revela ainda que 71% desse grupo apresentam outras deficiências associadas, como atraso global do desenvolvimento ou epilepsia, reforçando a urgência de ações integradas e interdisciplinares.
Uma nova Linha de Cuidado para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) está redesenhando a forma como o Sistema Único de Saúde (SUS) organiza o atendimento a pessoas com autismo em todo o país. A estratégia, lançada pelo Ministério da Saúde, estabelece diretrizes práticas para gestores e profissionais, priorizando o rastreio precoce, o início imediato das intervenções e o acolhimento das famílias desde os primeiros sinais do transtorno.
A medida chega em um momento em que o país avança também na padronização clínica do diagnóstico e tratamento. A Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) publicou recentemente uma atualização das recomendações e orientações para o diagnóstico, investigação e abordagem terapêutica do TEA, documento de referência elaborado com base nas mais recentes evidências científicas. Juntas, as duas iniciativas — uma voltada à rede pública, outra à prática médica — apontam para um mesmo caminho: garantir cuidado precoce, individualizado e de qualidade.
Diagnóstico mais cedo e intervenções antes da confirmação
A nova linha orienta que todas as crianças entre 16 e 30 meses sejam avaliadas para possíveis sinais de autismo durante as consultas de rotina. O rastreio será feito por meio do M-Chat, teste internacional validado para triagem de comportamentos indicativos de TEA. O instrumento já está disponível na Caderneta Digital da Criança e no prontuário eletrônico e-SUS, permitindo que profissionais da atenção primária identifiquem precocemente situações que exigem acompanhamento.
A estratégia propõe que os estímulos e terapias sejam iniciados antes mesmo do diagnóstico fechado, reconhecendo que a intervenção precoce é decisiva para o desenvolvimento da comunicação, da autonomia e das habilidades sociais. Essa atuação preventiva é complementada pelo fortalecimento do Projeto Terapêutico Singular (PTS), plano de atendimento personalizado construído entre equipe multiprofissional e família, adaptado às necessidades de cada criança.
Diretrizes baseadas em evidências científicas
O novo documento da SBNI reforça que o diagnóstico do TEA é clínico, baseado em observação, entrevista com familiares e critérios do DSM-5. Exames laboratoriais e de imagem não são essenciais, sendo recomendados apenas em casos específicos para diagnóstico diferencial. A publicação orienta o uso de ferramentas reconhecidas, como CARS-2, ADI-R e ADOS-2, e define os níveis de suporte conforme a intensidade das necessidades individuais.
Na abordagem terapêutica, a SBNI destaca intervenções comportamentais e educacionais com respaldo científico, como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), o ensino por tentativas discretas, o treino de habilidades sociais e a terapia cognitivo-comportamental. O documento alerta para práticas sem comprovação, como dietas restritivas, suplementações, uso de canabidiol, células-tronco e intervenções psicanalíticas isoladas, que não apresentam resultados consistentes em pesquisas clínicas.
Expansão da rede e novos serviços de reabilitação
A implementação das novas diretrizes será acompanhada por investimentos de R$ 72 milhões na ampliação da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, que concentra o atendimento de pessoas com TEA. Ao todo, foram habilitados 71 novos serviços, entre eles 23 Centros Especializados em Reabilitação (CERs) e 15 veículos de transporte sanitário adaptado. Outros 33 centros terão aumento de custeio e oito passarão por ampliação de porte.
Com isso, a rede pública de reabilitação soma agora 326 centros em funcionamento, com repasse federal anual superior a R$ 975 milhões. O Novo PAC Saúde também prevê a construção de 53 novos CERs — 28 já em andamento — com projeto arquitetônico adaptado às demandas de pessoas com TEA, incluindo salas multissensoriais e jardins terapêuticos.
Famílias no centro do cuidado
A nova linha destaca o papel essencial dos pais e cuidadores no processo terapêutico e prevê grupos de apoio, orientação parental e capacitação de profissionais da atenção primária. O Ministério da Saúde também firmou parceria com a Organização Mundial da Saúde (OMS) para a implementação do Programa de Treinamento de Habilidades para Cuidadores, que oferece estratégias para estimular o desenvolvimento infantil e reduzir a sobrecarga emocional das famílias.
Com base em evidências, ambas as iniciativas — a Linha de Cuidado do Ministério da Saúde e as Diretrizes da SBNI — representam um avanço histórico na estruturação da assistência às pessoas com autismo no Brasil. Elas consolidam o papel da atenção primária como ponto de partida do cuidado, reforçam a importância das terapias baseadas em ciência e propõem uma rede integrada, centrada na criança e em seu núcleo familiar.