O que estas mães têm em comum?

Além de comunicadoras, estas mulheres são mães de crianças com autismo; elas relatam os desafios, a falta de políticas públicas e também como os filhos mudaram a vida delas para melhor.

Por: Bruna Cássia | Foto: Jackson Souza

“Problemático”, “mal-educado”, “mimado”. Qual mãe de criança especial nunca ouviu esses termos pejorativos, injustos e cheio de falta de conhecimento? O preconceito da sociedade ainda existe e, às vezes, acontece dentro da própria família.

Falta políticas públicas não só para a criança, mas também para os pais. Falta apoio emocional, algo super necessário para quem encara a rotina de cuidar de um filho com autismo, por exemplo.

Esses e outros fatores acenderam uma ideia em mulheres que têm duas coisas em comum: elas são comunicadoras e mães de crianças autistas.

“Por que não usar nossa voz, informação e experiência para ajudar pessoas que não têm muito conhecimento sobre a síndrome e tudo que ela envolve ou auxiliar pessoas que não têm condições financeiras de dar o amparo necessário para essas crianças?”, elas pensaram.

Então, foi criada uma rede de apoio, inicialmente com oito mulheres, com intuito de colocar em prática ideias para ajudar outras famílias. O projeto ainda está no início e as ações ainda serão discutidas. “Fazer reportagens, palestras e ações sociais estão nos planos”, adiantaram as mães, que também compartilham outra coisa em comum: a rotina atarefada.

Para entender melhor, o Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou simplesmente autismo, é “um grupo de condições caracterizadas por algum grau de alteração do comportamento social, comunicação e linguagem, e por um repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades”, explica a Associação de Amigos do Autista (AMA).

Geralmente, o autismo surge na infância e tende a permanecer na adolescência. “As pessoas afetadas pela TEA frequentemente têm condições comórbidas, como epilepsia, depressão, ansiedade e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade”, acrescentou a AMA.

Claro que cada criança com autismo é única e apresenta diferentes características umas das outras, porém, são comportamentos que precisam de mais atenção emocional e médica, com diversos tipos de terapias e cuidados.

Além disso, qualquer atividade que for feita com uma criança autista precisa ser devidamente planejada. É o que relata a jornalista Karla Pinheiro, mãe do Vitinho, de 18 anos.

“Toda atividade que envolve uma criança autista precisa ser planejada pensando em cada detalhe para que não cause frustração. Muitos amigos dos meus filhos neurotípicos se afastaram por causa do irmão ‘doente’. Precisei mudar o Vitinho de escola, porque estava causando muita frustração nos outros dois”, acrescentou.

Ao longo dos anos, já aconteceram situações desagradáveis, justamente por conta da falta de conhecimento sobre o assunto. “Algumas vezes fomos convidados a sair de restaurantes, porque ele estava causando tumulto, ou que era muito ‘mal-educado’ aos olhos das outras pessoas”, relembrou Karla.

Conciliar a rotina em família também é um grande desafio, relatou Karla. “O autismo causa uma tensão familiar muito grande, pois a criança autista tem dificuldade na interação social, na comunicação, e são muito sensíveis à mudanças”, explicou.

As dificuldades também são encontradas no âmbito escolar. “As instituições de ensino em Boa Vista avançaram, mas ainda não possuem estrutura adequada para promover o aprendizado dos nossos filhos, principalmente na medida que avançam de série”, pontuou.

Porém, muitas dessas adversidades já fazem parte do passado: “hoje ele tem uma vida, digamos, normal, pois vai ao cinema sozinho com os amigos, sabe ler e escrever e consegue se comunicar bem”, disse.

Entretanto, não é somente a criança autista que precisa de um cuidado especial. Os pais dessas crianças precisam de atenção também. Para a Karla, cuidar de quem cuida das crianças autistas é outro desafio.

“Existem possibilidades reais de adoecermos mentalmente, já que o dia a dia e as mudanças de comportamento nos afetam muito, além de ter que lidar com o preconceito da sociedade.

Queremos inserir nossos filhos autistas no mundo em que vivemos: viajar, ir ao cinema, restaurantes e ter uma vida como qualquer outro cidadão”, desabafou.

Quem também concorda com esse ponto é a jornalista Raphaela Queiroz. Mãe do Rafael, de 4 anos. Ela acredita que, para cuidar bem do filho, ela precisa primeiro estar bem emocionalmente.

“No meio de tudo isso, tem a nossa saúde mental e nosso autocuidado, que são primordiais. Cuidar da gente pra cuidar deles. Precisamos estar bem emocionalmente para auxiliar no tratamento e desenvolvimento”, reforçou.

Ela relembra que quando soube do diagnóstico, entrou em certo desespero, pois a partir dali teria que correr contra o tempo para iniciar o desenvolvimento do filho o mais rápido possível.

“Isso porque, até os sete anos, a criança pode avançar bem, devido à neuroplasticidade. Esse desespero reflete bem o que os pais sentem, pois além de estudar sobre o tema, precisam estimular os filhos em casa, cuidar dos afazeres domésticos, levar a criança nas terapias, trabalhar e ver escola e todas as outras coisas que eles precisam”, citou sobre a rotina de cuidados com o Rafinha.

O processo de descoberta do diagnóstico do filho da (colocar a profissão) Gisele Faust foi um choque para ela, apesar da desconfiança. Atualmente com 5 anos, o Transtorno do Espectro Autista do Benjamim ocorreu um pouco antes de ele completar 3 anos. Confira o relato na íntegra:

“Fechamos o diagnóstico do Ben um pouco antes dos 3 anos de idade, onde a inevitável comparação entre um filho e outro perturbava meu coração de mãe, por não entender alguns comportamentos peculiares que ele apresentava.

Na época, eu seguia uma mãe influencer que se mudou para os EUA em busca de melhores tratamentos pra pequena Laura, que foi diagnosticada com TEA. Então, comecei a ver semelhanças entre o comportamento dela e de Benjamin, e passei a pesquisar mais sobre o Autismo.

Pouco tempo depois, fechamos o diagnóstico e senti alívio. Alívio em finalmente ter uma resposta pra todos os meus questionamentos, e pude respirar com calma pra buscar a solução e tratamentos necessários para melhora e progresso do Ben.

Logo, matriculei Benjamin na escola, pois ele nunca interagiu com crianças e pouquíssimo com adultos, além de apresentar um atraso absurdo de fala.

Pouco depois, conseguimos uma vaga para fazer as terapias na rede pública, onde começou a fazer as terapias com Fonoaudióloga, T.O e Altas Habilidades. Estávamos aguardando por uma vaga com a Psicóloga, quando veio a pandemia e paralisou tudo.

Em pouco tempo de terapia, mesmo não sendo pelo tempo ideal recomendado pelos profissionais da área (infelizmente temos essa carência na rede pública), Benjamin teve grandes evoluções, principalmente nos principais pontos que eram a fala e interação social.

Hoje, nossa maior dificuldade são as terapias, já que o sistema continua paralisado. Apesar de estarem voltando as aulas nas escolas aos poucos, hoje não há profissionais terapeutas disponíveis para que os atendimentos retornem. As vagas também são escassas.

É triste e ao mesmo tempo desafiador e exaustivo. Uma carga triplicada em cima da família, que precisa ler, se informar e tomar o papel de terapeuta dentro de casa, além de todos os outros afazeres cotidianos que um lar exige para que tudo funcione corretamente.

Estamos completando 1 ano e 4 meses sem terapia e acompanhamento presencial. É uma realidade assustadora e triste, pois sabemos que o tempo perdido não volta. Nos sentimos de mãos atadas por não poder transformar essa realidade.

Como mãe de uma criança autista, que depende das políticas públicas para terapias e todos os seus direitos, deixo o meu forte abraço de solidariedade pela luta de cada família, desejando e esperando sempre que nosso cenário mude e que nossos filhos tenham uma vida digna e que todos os seus direitos sejam cumpridos”.

Próximos passos da rede de apoio

Assim como a Karla, a Raphaela, a Gisele – que é personal shopper e influenciadora digital -, Siloany Amaro, Cacau Bastos, Priscila Gonçalves e Ana Lívia, que têm em comum ser comunicadoras e mães de crianças autistas, viram a oportunidade de criar essa rede de apoio para auxiliar outras famílias que encaram os mesmos desafios que ela.

Após o primeiro encontro físico e virtual entre elas, o grupo decidiu se reunir uma vez por mês – inicialmente – para começar a criar projetos e colocar em prática as ideias acerca do tema.

2 thoughts on “O que estas mães têm em comum?

  1. Convencer as autoridades em investir no desenvolvimento de uma rede de atendimento e apoio à criança com espectro autista é fundamental.
    Acredito que as matérias publicadas e o número crescentes de seguidores levarão a uma conscientização daqueles que têm poder e autoridade para apoiar políticas públicas direcionadas.
    Parabéns a essas mães e a toda família que convive com essa situação.
    Apesar de tudo, notamos o carinho e a importância desses filhos que sao, verdadeiramente, ESPECIAIS em todos os sentidos.
    Deus as abençoe!

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