‘O tratamento médico é imprescindível’, alerta jovem que superou a depressão

Baronso Lucena travou uma luta de seis anos até conseguir vencer o problema; psicóloga reforça importância de se dá a devida atenção ao tema

Por: Bruna Cássia | Foto: arquivo pessoal

Com a chegada do mês nove do ano, os cuidados com a saúde mental ficam em evidência por conta da campanha Setembro Amarelo, que objetiva a prevenção ao suicídio.

Apesar da grande relevância desta iniciativa, é importante reforçar que a atenção ao estado emocional das pessoas deve ocorrer em todos os dias do ano.

Somente em 2021, pelo menos 58 pessoas deram entrada no Hospital Geral de Roraima para serem atendidas após tentarem suicídio, conforme a Secretaria de Saúde.

Mas o que poderia causar esses casos? Bullying, uso abusivo de drogas e álcool, traumas emocionais, diagnósticos de doenças e a depressão são algumas das principais causas do suicídio, que é uma questão de saúde pública.

Uma dessas causas foi a que levou o servidor público Baronso Lucena, de 33 anos, tentar tirar a própria vida. Com depressão, ele travou uma luta de seis anos entre altos e baixos até conseguir superar o problema, que só foi possível com o tratamento médico adequando.

Em um relato emocionante ao Conexão Boa Vista, Baronso relembra o que deu início à depressão e fez um alerta para as pessoas que é possível sim ficar bem diante desta situação. Confira:

“O gatilho principal no meu caso foi uma separação. Fui casado durante 3 anos e em 2014 houve o término do relacionamento. Claro que não é algo que surge do nada, mas no meu caso esse foi o grande gatilho.

Fiquei bem mal entre 2014 e 2015. Voltei para casa dos meus pais, deixei meu apartamento e minhas coisas. Não queria nada que lembrasse sabe? Carro, apartamento, móveis, enfim… tudo. Mas tentei esconder a depressão da minha família pois foi uma época bem difícil para todos porque naquele período minha irmã também se separou. Ela tem uma família bem mais numerosa, 4 filhos, houve agressão, ela saiu de casa meio que fugindo com os filhos. Enfim. Estava bem pesado psicologicamente para minha mãe e tentei esconder para não pesar mais ainda.

Em 2015 procurei alguns psiquiatras. Esse foi outro processo complicado. Cheguei a ir em psiquiatra que dizia que estava com encosto e que precisava ir a um centro espírita… É muito complicado quando você está fragilizado e um profissional, que teoricamente deve lhe ajudar, te fala isso. Passei por 3 psiquiatras até chegar na que me atende até hoje.

Após todo esse processo, existe o processo de diagnóstico e de achar o remédio ideal. No meu caso o diagnóstico era muito claro, depressão profunda. Mas conheço pessoas que passam anos para achar o diagnóstico exato, pois as patologias mentais muitas vezes tem sintomas parecidos. Bipolaridade e Síndrome de Asperger, por exemplo, são diagnósticos dificílimos e as vezes você passa anos em tratamento para chegar nele. Tenho alguns amigos que passaram por isso.

Comecei a tomar medicação no final de 2015. A medicação sempre tem efeitos colaterais incômodos. Muitas vezes enjoo, dor de cabeça por dias a fio. Então, tive uma leve melhora até que no meio de 2016 tive uma forte recaída. Tentei suicídio. Isso também pode acontecer. Quando a medicação não é a ideal, pode ocorrer a recaída. Foi o que aconteceu no meu caso. Tive sorte de não ‘conseguir’ fazer, mas nem todos têm essa sorte.

Após isso meu tratamento praticamente recomeçou. Nova medicação, novas regras, não podia ficar só ou trancado, pois poderia ter novamente uma ideação suicida. É assim foi até 2019.

Em 2019 começou meu processo de ‘desmame’. É quando as doses da medicação vão diminuindo gradativamente até parar. Esse é outro detalhe importante. Muita gente simplesmente para de tomar a medicação quando se sente bem. Muitas vezes por que é cara e o próprio acompanhamento médico também é caro. Isso é muito perigoso. Pode causar recaídas terríveis, como a que eu tive.

No meio de 2020 eu finalmente tomei minha última dose de medicamento para depressão. Pode não parecer muito, mas para quem passa por todo esse processo é uma vitória imensa. A gente se sente muitas vezes incapaz, até dependente por conta de ter que tomar aquela medicação. O fato de você poder dizer ‘eu venci a depressão’ para quem vive anos com ela é muito simbólico.

É muito importante que as pessoas entendam que doenças mentais não são ‘frescura’ ou ‘falta de Deus’. As pessoas não têm noção de como essas colocações doem em alguém que está passando por um processo de doença mental. O tratamento médico é imprescindível. Só com a ajuda de psiquiatra, com a medicação do que está faltando no seu cérebro, e psicólogos para tratar seus traumas, a gente tem a possibilidade de sair disso”.

Como ajudar a quem precisa

Nem sempre quem precisa de ajuda busca por tratamento médico, por isso a importância de amigos e familiares ficarem atentos quando uma pessoa apresentar qualquer sintoma de instabilidade emocional, reforçou a psicóloga Ginara Coelho.

Ginara Coelho

“Busque ajuda profissional de imediato. Não é raro observar que a procura pelo profissional de psicologia ocorre depois de medidas paliativas, sejam elas pesquisas na Internet, desabafo com os amigos, orientações religiosas, etc. Só que as questões psíquicas não podem ser tratadas pelo senso comum, pois são de natureza amplamente mais complicada do que se imagina, e para isso existem profissionais que se debruçam em estudos, técnicas, pesquisas e métodos para acessar esses transtornos de maneira eficiente, séria e responsável”, enfatizou.

Sobre a campanha Setembro Amarelo, ela acredita que é um espaço de fala significativo, pois por meio dos meios de comunicação, muitas pessoas podem ser alcançadas, e assim, receber informação, orientação, e incentivo para romper com preconceitos e dar atenção  a saúde mental.

“A princípio, os aspectos de saúde mental são deixados de lado em relação as exigências do cotidiano, mas se torna um fator de custo decisivo quando a alma se recusa a cooperar, quando perde-se a alegria de vida, quando a ansiedade e a depressão chegam e se hospedam em nós. Mas veja, que ainda estamos conscientizando as pessoas para que deem a devida atenção e importância para os aspectos psicológicos e emocionais da própria vida e da do outro”, acrescentou.

Políticas Públicas

“A tendência suicida é parte de algo muito maior, que é a saúde mental. Então, honestamente penso que a implementação efetiva da política pública existente deve ser prioridade”, iniciou a psicóloga.

Ela explica que existe uma política pública que garante profissionais e locais de atenção à saúde mental, mas aponta que a quantidade de profissional pode não ser suficiente para a grande demanda.

No âmbito escolar, a profissional reforça que esse tipo de atendimento é lei, mas que não ocorre na prática.

“Não vamos longe, vamos pensar em nível local. Nossas escolas públicas dispõem desses profissionais? Há quem diga que sim, pois existe um setor psicossocial nas secretarias de educação, mas é humanamente impossível para estes profissionais atenderem de forma efetiva a demanda de toda comunidade escolar em relação aos aspectos de saúde mental. Então, honestamente, o que precisamos com urgência? Mais políticas públicas ou políticas públicas que alcançaram a etapa da ação com qualidade”, concluiu.

Centro de Valorização da Vida

O Centro de Valorização da Vida (CVV) é um sistema que realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail e chat 24 horas por dia, todos os dias.

A plataforma pode ser acessada pelo link cvv.org.br ou a pessoa interessada pela assistência pode ligar para o número 188. No site, além do atendimento ao público, tem a opção de inscrição para ser um voluntário.

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