Leis garantem direitos à comunidade trans em Roraima

O Brasil ainda ocupa o topo do ranking de países que mais matam transexuais e travestis. Em Roraima, não existem dados atuais, porém situação é preocupante

Por: Kátia Bezerra | Foto: Marley Lima

São poucos os transexuais que conseguem atravessar a linha da invisibilidade para assumir um lugar ao sol. Jonathan Kael de Moura, homem trans, professor e farmacêutico, que desde a infância sofreu para assumir quem ele realmente é, faz parte do pequeno grupo de pessoas trans que conseguem se impor no mercado de trabalho. Ele conseguiu se formar numa universidade e leciona numa escola de Boa Vista. Mas nem sempre foi assim.

“Parte da família e amigos não conseguiram aceitar minha vida. O lado paterno da família foi mais difícil de aceitar, porém hoje todos me respeitam”, contou. Jonathan nasceu homem, mas nunca se identificou como tal. “Eu me identifico como ele, gênero masculino. Foi um processo bem longo, não tem como você dormir de um jeito e acordar de outro. Então, você tem que se identificar, como foi o meu caso desde que me entendo por gente”, explicou.

No dia 29 de janeiro, é comemorado em todo o país o Dia da Visibilidade Trans. A data foi criada em 2004 e representa um marco na luta da população LGBTQIA+ por direitos e, principalmente, respeito. A transfobia (aversão ou discriminação contra a população trans) é uma realidade cruel e ainda muito presente na vida dessa parcela da sociedade e que leva as pessoas trans a abandonarem os estudos e enfrentarem dificuldades de inserção no mercado de trabalho. Além do próprio risco de morte.

Apesar de conquistas recentes de cidadania por movimentos do grupo e mesmo com todos os esforços, o Brasil ainda ocupa o topo do ranking de países que mais matam transexuais e travestis. Em Roraima, não existem dados atuais sobre casos de violência desse tipo, porém a diretora financeira da Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado de Roraima (Aterr), Rebeca Marinho, afirma que o cenário é preocupante, mesmo com alguns avanços.

“Nós temos uma sociedade que, por mais que já tenha um pouco de acolhimento e empatia, ainda é transfóbica, racista, sexista, mas isso vai perdendo a força quando você permite que outras pessoas abram o seu olhar, e as pessoas precisam olhar como profissional, e não como o olhar da minha identidade de gênero e a minha orientação sexual. É o meu profissional que se precisa enxergar, você precisa me contratar para tirar aquela imagem negativa que a sociedade colocou desde que a gente era jovem. Buscamos isso: educar as pessoas”, ressaltou.

A Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR), por meio do Centro Humanitário de Apoio à Mulher (Chame), está preparada para auxiliar e acolher as mulheres LGBTQIA+ em situação de violência doméstica, conforme explica a coordenadora do Chame, Eliene Santiago. “O atendimento é o mesmo, humanizado, com respeito e profissionalismo”, afirmou. Mesmo sem ter nenhuma ocorrência de pessoas trans, o Chame já participou de palestras e rodas de conversas em diversos grupos LGBTQIA+ de Roraima.

Política de inclusão

Ao longo dos anos, a ALE-RR vem criando políticas públicas para garantir os direitos dessa comunidade. Em 2013, a Casa Legislativa aprovou a criação do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da População de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Estado de Roraima (CEDDP/LGBT-RR). A lei é de autoria do governo estadual e acompanha a execução de políticas públicas para a população LGBTQIA+, destinadas a assegurar à comunidade o pleno exercício de sua cidadania.

Em 2010, a ALE-RR também criou a Lei nº 796, que assegura às pessoas travestis e transexuais a identificação pelo nome social em documentos de prestação de serviço, quando atendidas nos órgãos da administração pública estadual direta e indireta. Uma lei de autoria da deputada Lenir Rodrigues (Cidadania) declarou de utilidade pública, em 2017, a Associação Roraimense pela Diversidade Sexual de Roraima (DiveRRsidade), assegurando direitos e vantagens constantes da legislação vigente.

Conforme documento produzido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais Brasileiras (Antra), em 2020, o Brasil contabilizou 175 assassinatos de pessoas trans, sendo todas travestis e mulheres transexuais. Em 2021, foram 140. E os números da violência crescem com a falta de oportunidades e com o preconceito, segundo constatou Rebeca Marinho. Ela explica que o poder público deveria ser um aliado no processo de garantia de cidadania para homens e mulheres da comunidade LGBTQIA+ e que políticas de inclusão precisam incluir essa população, tirando da invisibilidade as pessoas trans.

“Sempre buscamos parcerias com instituições que dão suporte ao cidadão, como Defensoria Pública, Ministério Público, OAB, delegacia de polícia, dependendo do grau em que o crime acontece, não deixamos passar impune nenhuma denúncia contra a população LGBTQIA+, mas também buscamos saber a verdade, ou seja, porque essa pessoa foi agredida. É essencial que haja essa parceria, pois esse é o papel das instituições, pois temos demandas que precisam ser atendidas”, destacou.

Documentário: dificuldades e preconceito

Num levantamento feito em 2016 pela ONG Grupo Gay da Bahia, considerando o tamanho da população, Roraima aparece como o estado mais perigoso para LGBTQIA+, com 6,15 mortes para um milhão de habitantes. No documentário produzido pela TV Assembleia “Intolerância que Mata”, foi possível conhecer a dura realidade de quem enfrenta o preconceito todos os dias e luta para ter um espaço digno na sociedade. O filme está disponível no YouTube https://youtu.be/y51bPqQI7nU.

Intolerância que Mata – Documentário TV ALENum levantamento feito em 2016 pela ONG GGB (Grupo Gay da Bahia), considerando o tamanho da população, Roraima aparece como o Estado mais perigoso para LGBT’…youtu.be

Empatia e acolhimento

A Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros do Estado de Roraima (Aterr) está há 15 anos apoiando e fortalecendo políticas de inclusão no Estado. Nesta sexta-feira (28), ela promoveu atendimentos gratuitos para a retificação do nome de pessoas transexuais e travestis. A ação visa corrigir a documentação do público-alvo. O atendimento foi feito na rua Lindolfo Bernardo Coutinho, 1451, bairro Tancredo Neves, zona Oeste de Boa Vista. O mutirão teve parceria com a Defensoria Pública (DPE-RR) e, devido à pandemia de covid-19, foi obrigatório o uso de máscaras no local.

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