O que é pobreza menstrual? Projeto Mulheres Vivá ajuda pessoas em vulnerabilidade social

Iniciado em 2020, ação distribui kits de higiene para mulheres e meninas de Boa Vista; dias atrás, Senado Federal aprovou programa que prevê distribuição gratuita de absorventes para pessoas entre 12 de 51 anos de todo país.

Por: Bruna Cássia; Ana Paula Lima | Fotos: arquivo pessoal

Ao contrário do que se pensa, a discussão sobre a dignidade menstrual ocorre há muitos anos, mas só recentemente que criaram iniciativas de políticas públicas acerca do tema. Uma delas é a proposta de criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual.

Aprovado nesta terça-feira, dia 14 de setembro, pelo Senado Federal, o projeto segue para sanção presidencial. A ideia é beneficiar cerca de 5,6 milhões de mulheres em todo país entre 12 e 51 anos de idade.

“O Senado aprovou projeto (PL 4968/2019), de autoria da deputada Marília Arraes, que prevê a distribuição gratuita de absorventes higiênicos para estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e detidas. Serão beneficiadas as estudantes de baixa renda matriculadas em escolas da rede pública de ensino, mulheres em situação de rua ou de vulnerabilidade social extrema, presidiárias e adolescentes internadas em unidades para cumprimento de medida socioeducativa”, explicou o Senado Federal.

Paralelamente a isso, existem propostas independentes para ajudar a este público. Em Roraima, existe a iniciativa Mulheres Vivá, idealizada pela jornalista Ana Paula Lima. O projeto consiste em distribuir kits de higiene e promover ações sociais para mulheres que vivem em extrema vulnerabilidade social em Boa Vista.

A ideia iniciou em 2019 ao descobrir o que era pobreza menstrual e ela resolver fazer algo que pudesse ajudar essas mulheres.

“Estava fazendo uma entrevista com as catadoras da Associação Terra Viva sobre as condições de trabalho após terem saído do aterro sanitário e percebi que muitas não tinham renda para manter as condições básicas. A partir disso, falei com uma amiga sobre a ideia de distribuir kits de higiene para essas mulheres e fomos dando os primeiros passos até chegarmos ao Mulheres Vivá, que foi feito com uma proposta de entender as particularidades de Roraima, uma vez que é um estado indígena com duas fronteiras internacionais”, relembrou.

Ela acrescentou que tudo isso “reforça características específicas, ainda mais impulsionadas por um fluxo migratório que ocorre há anos e que aumentou a situação de vulnerabilidade para meninas e mulheres”, acrescentou.

Início das ações

Ação de entrega de kits do projeto Mulheres Vivá. Foto: arquivo pessoal

O Mulheres Vivá iniciou as atividades em junho de 2020 com a proposta de combate à pobreza menstrual feita de forma totalmente voluntária e sem vínculos políticos.

“Através de doações de absorventes, lenços umedecidos, desodorantes, escovas de dentes, cremes dentais e papel higiênico, fazemos as entregas de kits em diversas localidades da cidade, sem distinção de nacionalidade”, acrescentou.

Já foram entregues 760 kits de higiene para meninas e mulheres. Ana acredita que dessa forma o debate sobre o tema aumenta, além de mostrar a importância de diminuir o tabu sobre a menstruação. “É o tabu que impacta negativamente meninas e mulheres e resulta em situações como essas”, pontuou.

As ações ocorrem todo mês, uma vez que “a menstruação não espera”. No mês da mulher, em março deste ano, foi promovida a maior entrega de kits, quando foram entregues para 103 mulheres e meninas.

Recentemente o grupo realizou uma roda de conversa em uma ocupação espontânea da cidade, com a participação de uma médica ginecologista. “Foram explicadas as funcionalidades do sistema reprodutivo feminino e a proteção para evitar doenças”, citou.

Ana Paula acrescenta que por estamos em um momento pandêmico, a situação de vulnerabilidade socioeconômica aumentou para as mulheres, sendo elas as mais afetadas pela Covid-19.

“Com a maioria perdendo a renda e sendo chefes de família, essas mulheres acabam recorrendo a situações extremas para conter o sangue menstrual, já que o valor cobrado em um pacote de absorventes pode significar a escolha entre a proteção menstrual e uma refeição”, exemplificou.

A pobreza menstrual é muito mais que falta de dinheiro para comprar produtos

Ana Paula Lima é a idealizadora do projeto.
Foto: arquivo pessoal

“Desde que foi criado, o Mulheres Vivá sempre indiciou a necessidade de políticas públicas para a assistência desse público. A distribuição gratuita demonstra um suporte para as milhares de meninas e mulheres que perdem aula e dias de trabalho por não terem condições de adquirir produtos de higiene menstrual.

Esse cenário ocorre justamente por conta do tabu da menstruação, um assunto que é pouco discutido entre familiares, ambiente escolar e amigos, o que faz com que meninas e mulheres tenham vergonha do período menstrual e não indiquem quando estão em necessidade, além de reforçar ideias e narrativas completamente errôneas sobre a menstruação, muitas vezes indicando que é um sangue sujo e que deve ser escondido.

As críticas a esse projeto de lei geralmente são feitas com a perspectiva que o poder público não deve interferir e nem custear produtos de higiene menstrual. Isso é uma visão limitada e demonstra também privilégios em não imaginar os impactos reais que a menstruação causa na vida desse público. Sem absorventes, há um aumento das desigualdades de gênero e também da perpetuação da pobreza, já que as meninas, em muitas partes, largam a escola.

Em Roraima, é necessária uma atenção maior justamente porque temos constantes problemas com distribuição de água, sendo isso um fator importantíssimo na higienização durante a menstruação para evitar infecções no sistema reprodutivo. Portanto, a pobreza menstrual não é somente a falta de dinheiro para comprar esses produtos, mas também toda a ausência de políticas públicas para saneamento básico e acesso à saúde digna”.

A luta não é de hoje

A jornalista Ana Paula Lima reforçou que a pobreza menstrual não é um assunto que surgiu recentemente. “É uma situação que vem sendo denunciada há anos pelo movimento de mulheres, sendo o projeto um importante difusor da situação”, considerou.

“Nos chama a atenção que foi necessária uma repercussão nacional sobre o assunto para que isso pudesse ser pauta, incluindo em Boa Vista, onde estávamos atuando e fomos ignoradas por mais de um ano até que tivesse um projeto de lei dedicado a isso, mesmo com a presença de parlamentares mulheres”, destacou.

Ana pontuou que não basta apenas a distribuição desses absorventes, é necessária uma ação massiva para que o assunto seja conversado e meninas e meninos possam entender sobre a menstruação, fazendo com que cada vez menos haja uma perspectiva preconceituosa com um processo biológico natural.

“Vamos seguir lutando no combate à pobreza menstrual, realizando entregas, principalmente porque há pontos da cidade em situação extrema de vulnerabilidade. Também vamos estar sempre vigilantes para saber se essas propostas estão de fato sendo cumpridas e as meninas e mulheres estão sendo beneficiadas”, concluiu.

Faça doações

As ações e informações sobre a pobreza menstrual são compartilhadas pela página no Instagram @projetomulheresviva. Por lá, também é possível entrar em contato com a Ana para tirar dúvidas e também para fazer doações de itens para montar os kits.

“O Mulheres Vivá segue recebendo doações para que o número de kits entregues seja muito maior e realizando rodas de conversa para que a informação sobre saúde feminina chegue em mais pessoas de forma educativa”, reforçou.

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