UMA MULHER QUE SE LEVANTA

Por: Cristiani Plácida

Ela estava sentada em uma cadeira de praia a beira mar olhando toda aquela imensidão de azul, o dia estava lindo, sentia uma leve brisa em seu rosto e ainda podia ver a lua se despedindo do céu, sentia-se em paz, como ha muito tempo não sentia. Ana, respirou fundo e viu passar um longa-metragem que ocupou lugar de antagonista. Ela se perguntava porque havia deixado que ultrapassassem seus limites? Ana perdeu-se de si mesma e optou por começar uma nova história sozinha.

Durante a vida, Ana foi permissiva, deixou quem invadissem em sua individualidade, definindo como e onde agir, foi traída, exposta, ridicularizada, seu corpo violado e sua alma devastada. Por ser uma criança obediente, romântica e carente, foi se deixando levar na esperança que todas as mudanças provocadas por uma história de resignação e resiliência fossem suficientes para receber o que mais desejara amor, admiração e cuidado.

Eu como observadora torcia para que ela lembrasse da criança marrenta e determinada que havia sido, ela precisava libertar-se de todos os abusadores que conheceu. Começando por seu pai que buscou nos pequenos prazeres do mundo o significado da vida e a rejeitou deixando-a à mercê da própria sorte. E então, veio o primo e o amigo do primo abusadores. Conviver com o namorado da melhor amiga foi ainda mais desafiador, ele a olhava e tocava como se fosse um pequeno objeto de prazer temporário e Ana, anestesiada, chorava implorando que Deus ou os anjos a ouvissem.

Quando lembro por tudo que ela passou, consigo entender sua dureza de caráter, com valores rígidos, completamente avessa a mentira, corpos esculpidos e festas eufóricas. Precisava manter-se longe de tudo que havia provocado todas as dores que viveu. Sabe, Ana era uma jovem bonita, inteligente, ativa e esforçada e durante o período de maior beleza ouvia que seu corpo era culpado, atraente demais para passar desapercebido. Pouco a pouco usou a compulsão alimentar para ocupar o vazio de sua alma.

Assim que entrou na faculdade conheceu aquele que seria o grande amor da sua vida, ela só não imaginava que começaria ali seu maior desafio de sobrevivência. Eles sonharam e realizaram juntos, eram uma dupla imbatível e nunca poderiam imaginar que suas carências e feridas da infância os levassem ao período mais sombrio de uma história de amor. À medida que construíam uma vida profissional e familiar invejável, também surgia uma vida dupla com mentiras e traições que provocaram feridas emocionais irrecuperáveis.

Depois dos filhos crescidos, amadurecidos e certa de que todas as fraquezas humanas que haviam causado seu adoecimento haviam sido superadas veio o golpe fatal e o passado voltou com a força de um tsunami grau V e então ela se rendeu. Não poderia mais suportar aquelas mentiras. Lá atras acreditou que ser amada transformaria sua vida e esqueceria de seu passado, mas aquele sentimento de rejeição e insuficiência provocaram um mergulho profundo em si mesma. Ana entendera que sua doação e seus esforços para se adequar e atender as expectativas do outro não eram suficientes para ser amada por alguém e ao olhar para aquele homem, que um dia, acreditou conhecer percebeu apenas um rosto desconhecido e frio.

Ela sabia que havia criado filhos solidários e contou com isso para pedir licença e partir, foi aí que percebeu que o amor que tanto buscou em um homem era desnecessário diante de seres genuinamente íntegros. Seus filhos não apenas permitiram que ela partisse, mas também a encorajaram a construir uma nova vida onde a personagem principal fosse ela mesma. E lá estava ela, a beira mar, lugar que havia sonhado por muitos anos, ali iria resgatar sua integridade, amor-próprio e a autoconfiança tão necessárias para que qualquer pessoa sinta orgulho de si mesma e de sua história.

E eu, continuo daqui a observar e admirar a capacidade que essa mulher tem de levantar e recomeçar, tenho certeza de que irei contar lindas histórias sobre a Ana, afinal para cada ciclo de nossas histórias, inúmeras oportunidades nos são apresentadas e o livro da nossa vida deve ser escrito por nós mesmos, o de Ana não será diferente.

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